terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

RECEBI

Recebi hoje de manhã por e-mail de um colega de trabalho. Quando entre na sala dele, ele estava rindo alto em função do texto. Eu não ri, mas é interessante!!!!


A traição de Letícia

Depois da noite encantada em que eles se conheceram e passaram parte conversando, parte se beijando, Leo tomou as mãos de Letícia nas suas e sussurrou:

- Me diga que você é colorada! Por favor! Me diga que você é colorada!

Letícia sorriu. E depois miou:

- Sooou...

Leo olhou para o Firmamento:

- Obrigado, Senhor! Encontrei a mulher perfeita!

Letícia sentiu o peito inflar de alegria. Gostava de ser a mulher perfeita. Só que não era – pelo menos não do ponto de vista de Leo. Na verdade, Letícia sempre fora gremista. Dissera-se colorada porque aquilo parecia tão importante para ele... Além disso, não ligava muito para futebol. Definia-se como gremista, mas estava longe de ser uma militante. Então, por que não fazer a alegria infantil daquele homem tão atencioso?

No encontro seguinte, ele lhe trouxe um mimo: um ursinho de pelúcia do Inter.

- Ó. Do nosso timão.

Letícia apertou o ursinho contra o peito:

- Que amooor...

A partir daquele dia, ele passou a chamá-la de Linda Vermelhinha. Continuaram se vendo cada vez com mais frequência. Começaram a namorar. Ele a levava ao Beira-Rio e a presenteava com novas camisetas do Inter, pratinhos do Inter, buttons do Inter. No aniversário dela, levou-a a um motel de luxo e, lá, deu-lhe de presente... uma calcinha do Inter!

- Veste, Linda Vermelhinha... - pediu, sôfrego, e ele mesmo tirou a roupa, menos os meiões do Inter, que usou durante toda a noite, esticadas até o joelho.

O namoro foi em frente. Com o passar dos anos, Letícia desenvolveu a impressão de que o coloradismo de Leo se acentuara. Ele parecia mais arrebatado a cada temporada. Só falava da sua paixão pelo Inter. Ou do seu horror ao Grêmio. Tamanha obsessão começou a irritá-la. E, aos poucos, ela, que antes era indiferente ao futebol, passou a torcer em silêncio pelo Grêmio... e contra o Inter.

Assim, o gremismo de Letícia foi se cevando surda e dolorosamente. Era um sentimento que crescia, que latejava, e do qual ela queria se livrar. Queria confessar a Leo que não era colorada, que jamais fora colorada e que, ao contrário, justamente por causa dele, tornara-se uma gremista acérrima. Mas outros sentimentos impediam que fizesse a confissão. O principal: ela amava Leo, fazia planos de casar-se com ele. Como poderia decepcioná-lo desta forma?

Angustiada, Letícia passou a gritar ao mundo o seu gremismo. Contava seu caso a todos. Todos: a família, os amigos, os colegas de serviço, a manicure, o porteiro. Em pouco tempo, só Leo não sabia. Leandro, seu melhor amigo, chegou a cogitar de contar tudo a ele, mas foi demovido pelos outros amigos.

- Depois eles reatam e você é que vira o vilão da história - argumentavam.

Letícia ia escondida aos jogos do Grêmio, guardava uniformes retrôs do time de Telê Santana na casa da irmã e escreveu “FBPA” na parte interna da bolsa.

Leo tornou-se motivo de chacota no bairro em que morava, na agência de publicidade em que trabalhava, no bar que frequentava.

Letícia não suportava mais aquela vida dupla. Queria dizer a verdade, queria viver em paz com sua consciência. Um dia, decidiu que contaria a Leo, mas naquele dia, justamente naquele dia, ele a pediu em casamento. Letícia foi acometida por uma crise de choro. Leo achou que fosse de alegria, era de angústia.

Como a maioria dos criminosos, ela passou a dar indícios de seus atos. Só se vestia de azul, arrumava desculpas para não acompanhar Leo nos jogos do Inter, uma manhã pegou-se assobiando vou torcer pro Grêmio bebendo vinho. Leo achava estranho, mas não podia admitir a terrível verdade. Até que, na manhã de um domingo de Gre-Nal, ele descobriu. Da maneira clássica: Letícia havia deixado o celular sobre a mesa e um de seus amigos gremistas enviou-lhe uma mensagem: “Até a pé nós iremos!” E Leo viu. Por algum motivo, desconfiou daquela mensagem que a noiva recebia numa manhã de domingo, tomou o celular e leu a frase. Quando Letícia chegou, vinda de outro aposento da casa, ele estava à beira das lágrimas.

- O que é isso? - gritava, mostrando o celular. - O que é isso??? Não vá me dizer que você é uma... - engoliu em seco - ... uma... uma... gremista!

Letícia entrou em pânico. Fora descoberta. Ia perder seu noivo, seu futuro marido, seu amor. Pensou rápido. E rápido agiu.

- Não! - ela gritou. - Isso é um código. Confesso: eu tenho um amante. Estou deixando dele, não o amo, amo você, mas a verdade é que tenho, tenho sim, tenho um amante! Eu tenho! Me perdoa, Leo! Me perdoa!

Leo ficou arrasado, chorou, descabelou-se, mas disse que a perdoaria. Com uma condição: ela teria que ir ao Gre-Nal com a camiseta do Inter, com a bandeira do Inter, torcer pelo Inter. Letícia foi. Vestiu vermelho e arrastou-se para o Gre-Nal, o coração estilhaçado. Sentados os dois nas arquibancadas, enrolados na bandeira colorada, Leo abraçou Letícia e a beijou no rosto. Achando-se traído por um mero homem de carne e osso, não por uma instituição, ele suspirou, aliviado, e declarou, com lágrimas nos olhos:

- Eu sabia que podia confiar em você, Linda Vermelhinha. Minha Linda Linda Linda Vermelhinha...

David Coimbra